fogo-fátuo

por vezes me envergonhei de desejar o mal. pedi desculpas depois de, no trânsito, silenciosamente esperar que um motorista sem caráter tivesse um prejuízo muito grande num acidente. rezei, às vezes sem nem saber porquê, quando reclamei de ter uma vida fodida sendo que nunca fui abusada, espancada, passei fome, frio, deixei de estudar. serei eu uma preguiçosa, apenas? uma vida suficientemente pesada… a quem eu quero enganar? uma vida baseada em músicos e poetas mortos chorei de arrependimento por ter involuntariamente julgado alguém baseada num preconceito. perdi tempo achando que fiz essas coisas porque sou ruim eu sou ruim, mas porque não consigo usar isso pra me beneficiar? eu devo ser ruim quando na verdade eu desejei ser castigada por cada passo em direção ao inferno. quis chegar logo lá, encarar o diabo e perguntar “é só isso que tem pra hoje?” eu não saberia lidar com a miséria. o que eu fiz pra isso? um cilício, uma consciência suficientemente treinada, um cilício… afinal, como mensurar uma dor? qual a diferença da dor invisível e solitária e a dor causada pelo sistema pedi por tantas coisas incuráveis e dolorosas das quais não tenho o menor conhecimento que não saberia contar, só pra ter a quem ou o quê culpar. mas o castigo me foi dado sem que eu me desse conta: uma vida suficientemente dolorosa pra que eu não aguente mais, uma consciência suficientemente treinada para que eu não saiba me livrar dela. vendo teu (teus? são inúmeros!) vulto que desaparece na extrema curva do caminho extremo 

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