quando me enchi de mim mesma

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agora estou aqui entre as bagunças dos estudos, dos arquivos, dos sentimentos, das idéias, dos desejos e do quarto ouvindo músicas que nunca deveriam ter sido escritas e pensando em você. mas não como antes, porque pela primeira vez eu páro e penso que minha vida tá a bagunça que tava quando eu te encontrei. porque quando você apareceu ela passou a fazer sentido e eu respirei aliviada por ter enfim um pouco de paz.

mas daí você passou e eu perdi o chão e os sentidos e todas as músicas do foo fighters. fiquei sem saber o que fazer e realmente não fiz, até que então eu vi que finalmente as coisas ficaram bagunçadas em mim outra vez. que meu itunes voltou a honrar a opção aleatória, que eu voltei a ver tudo em cores que não combinam pra quem tá acostumado com tons pastéis, que eu voltei a pensar sobre a vida, os dedos dos pés, tatuagens que faria, lugares que desbravaria, pessoas que conheceria, sorrisos pelos quais me apaixonaria. e que agora, só agora, que tá tudo um furdunço aqui dentro, eu vou viver de verdade e fazer tudo que antes não tinha razão. porque eu tô desconcertada, desordenada, desorientada e pode ser que amanhã eu tenha mudado de idéia mas agora eu penso que tudo que eu menos quero é me entender ou ser etendida. porque afinal, não tem graça nenhuma em um quebra cabeça que já vem montado.

a diferença, a sutil diferença…

eugene o’neill te despreza

nos difíceis tempos em que é preciso lidar com os mais diferentes tipos de gente entediante e ainda tomar cuidado extra pra não se tornar um deles, eu comecei a pensar: “sou obrigada?” e não, não sou obrigada a aturar essa gente, passa amanhã. mas dou uma segunda chance, como sempre, porque meu coração é grande e cheio de amor e paciência é uma virtude e é um exercício diário não depositar todas as minhas esperanças no apocalipse , já que segundo a lei de murphy ele não virá e eu terei que aguentar essa total falta de perspicácia e bom senso generalizada por mais alguns bons anos. então resolvi pedir a ajuda do meu grande amigo e ídolo das mentes menos favorecidas: william shakespeare da internet. juntos, apresentaremos as diferenças, as sutis diferenças, que você aprende depois de um tempo – e nunca mais repetí-las, pra boa conservação da minha mente.

o cansado e o cansativo. reclama de ir trabalhar. reclama de ir malhar. reclama que acabou o carnaval. reclama que as pessoas assistem bbb. tá cansado de tudo e todo mundo tá cansado dele. todo mundo tá cansado da vida, sabe? acho que a existência humana tá meio que saturada, mas não há muito que se possa fazer com isso. chega um tempo em que só resta viver e parar de encher o saco das pessoas com isso. achar tudo insuportável o tempo todo, ok. achar tudo insuportável o tempo todo e ficar torrando minha cabeça com isso: por que não morre?

o poeta e o poeteiro. carlos drummond de andrade foi poeta. fernando pessoa era um puta poeta. hilda hilst, pablo neruda, ferreira gullar, baudelaire. esses eram poetas. procurar no pensador por “frase+amor” não te dá um lugar nessa lista, faz de você um poeteiro e isso é muito 1995, quando claudio heinrich ficou conhecido pela frase mais longa que já proferiu em rede nacional: eu li num livro. e ele nunca mais foi visto. é que saiu de moda escrever frases de efeito sobre o cotidiano em qualquer rede social quando fabrício carpinejar abriu uma conta no twitter. essa coisa de entrei-causei-vazei. comentem orkutizou, não cola mais não. e é sério. principalmente se a sua frase de efeito não for decorrente de uma epifania, se for muito óbvia ou pior, se já tiver sido dita por outra pessoa. eu ainda fico na dúvida se desprezo mais o poeteiro que faz esse tipo de divagação ou a pessoa que curte e ainda completa com “nossa, falou tudo!”

o antenado e o alienado. coisa boa é poder personalizar sua página inicial, né? o antenado abre 50 abas e vê o que acontece no mundo, lê uns livros, ouve rádio, faz a quantidade normal de conexões cerebrais diárias. o alienado lê o g1 de manhã e vê cqc de noite pra ver se liga pelo menos o tico e o teco. e na terça chega lá falando da xuxa, do caso cachoeira, da ciclovia, do metrô que ele não usa. é bem o tipinho que tira as fotos dos ônibus fora da faixa exclusiva e fica mostrando pra você na mesa do bar pra iniciar um papo polêmico, que compartilha aquela imagem da carolina dieckmann dizendo que a polícia encontrou os caras que hackearam o telefone dela mas não encontram os pedófilos. mas ainda assim querem fugir da blitz depois de encherem a cara, fumam maconha todo dia  – malzae, nada contra, mas é ilegal e tal – e acham massa não serem pegos. bitch, please!

o ativista e o chato apenas. eu sou feminista, contra o racismo, a homofobia, a pedofilia, sou a favor de aborto e não gosto que maltratem animais. vez ou outra alguém chama sua atenção sobre aquela atitude ou termo inapropriado e até faz você repensar o que foi dito. e vez ou outra vem o chato te chamar quinhentas vezes pra marcha contra a corrupção, te marcar nos posts com fotos de cachorros mortos, nunca deixar passar uma lixeira automática sem relembrar o caso do reitor da unb, iniciar uma discussão interminável na qual ele é o mais politicamente consciente e você o aluno rebelde. é muito comum encontrar ele dizendo que “você tem que se engajar na política! já diria platão que quem não gosta de política será governado por quem gosta! isso é ser cidadão mimimimi rorizismo mimimimi maluf mimimimi socialismo”. a única coisa que eu tenho que fazer é me segurar pra não dar um tiro na sua cabeça cada vez que você abre a boca. gosta de rimas, de frases geniais de grandes filósofos. maquiavel é o seu pastor e nada lhe faltará. vou deixar aqui o meu recado/dica pra quem me inpirou: “alô candidato, você me enche o saco!”.

me acordem ali na próxima era glacial por favor.

vamos por partes

na primeira parte, você aprende a usar o vaso sanitário sozinho antes de definir qualquer coisa viva. na segunda parte você apenas não define um gênero que não é o seu.

que os avisos de exigência de maioridade para acessar as redes sociais seriam ignorados, todo mundo já sabia. mas aí um homem encontra uma mulher e coloca a sementinha do machismo dentro dela e nasce um machisitinha com bochechas reluzentes. quinze anos depois, ele tá lá postando imagens machistas.

acontece que eu cansei. é claro que como tudo na vida, isso não veio de graça. foi preciso um namorado misógino, um pai machista, uma profissão “tipicamente masculina” e muita cabeçada na parede. eu tive mil e um motivos pra todas essas coisas acontecerem mas aí fui abstraindo cada vez mais e sobrou apenas uma palavra: preconceito. e no início pareceu simples, porque agora eu tinha uma única questão a combater.

eu pareço repetitiva de tanto explicar que essa ou aquela pessoa não se encaixam mais na minha vida porque são misóginas. que quando um ser humano mostra uma opinião equivocada em relação às mulheres, quando ele se mostra taxativo quanto às “coisas de mulher”, eu não consigo ver nenhuma diferença do hitler que mandou queimar judeus ou do malan promovendo o apartheid. e o mais irônico é que por isso, eu é que recebi a alcunha de nazista. sim, porque o nazista é o intolerante, o que leva seu ódio até as últimas consequências, o que limpa o mundo daquilo que considera a escória. e quem bate em homossexual não é intolerante, quem acha que mulher que usa minisaia merece ser estuprada não está levando nada às últimas consequências e abafar os movimentos de quem vai contra essa corrente não é querer livrar o mundo de ninguém. mas aparentemente ninguém cansou de escutar. me parece que um pouco mais do que isso, ninguém sequer prestou atenção.

eu fico me perguntando como é que alguém quer ser levado a sério na marcha contra a corrupção, como é que alguém quer ter seus direitos atendidos quando faz greve, se na primeira oportunidade age tão erroneamente quando aqueles que critica nesses movimentos. se você grita tão alto mas tão alto pra falar com alguém, é natural que aos poucos os outros ao redor comecem a achá-lo irritante o suficiente pra ignorar o que você diz. principalmente quando você não sabe nada sobre o que tá dizendo. quantas vezes você saiu do trabalho depois das 22h e apesar de ter ônibus circulando você pagou um táxi pra voltar pra casa por medo? quantas vezes você perdeu uma promoção porque ‘tavam precisando de alguém “que entrasse com o pé na porta” e seu sexo não é visto como agressivo o suficiente? quantas vezes você usou um biquíni pequeno demais pra alguém direito, grande demais se você quiser arrumar um casamento? quantas vezes seu cabelo foi modificado, seu estilo podado, o tom da sua voz questionado, a forma como você senta criticada, sua auto-estima derrubada, seu choro ridicularizado, seu corpo avaliado, seu caráter ignorado? quando você responde zero para uma única questão dessas, você perde o direito de compartilhar uma imagem dessas. você simplesmente não tem o direito de dizer quem eu sou.

se eu fosse explicar com maçãs, digamos que quando todas as maçãs vermelhas se acham mais suculentas do que uma maçã verde, você consegue entender porque a verde não quer ficar no mesmo cesto que elas, porque o que as maçãs vermelhas fazem é crime. pois bem. e quando você me joga no lixo por eu ter nascido sem semente é o quê?

o paraíso é para todos

das perguntas sem resposta, acho que a que me faço com mais frequência é onde é que eu estava? hoje cedo na receita federal eu fui a terceira pessoa a chegar. peguei minha senha, pfn3, procurei uma cadeira e sentei. olhei pela janela pelo que pensei serem apenas alguns segundos, tentando adivinhar como seria o resto do dia. quente? teria sombra? minha água estava esquentando no carro? e então a tv avisou: pfn5. eu não vi aquelas pessoas entrarem, eu não ouvi a tv me chamar repetidas vezes, onde é que eu estava? onde é que eu estava? assim mesmo deve ter sido no dia em que todas as pessoas ao meu redor foram chamadas pra receber a pílula do esquecimento e eu perdi minha vez. não fui vacinada contra o mal do século e agora tô aqui sozinha. e me sentindo sozinha, o que é bem pior. não desaprendi a amar o próximo, não desaprendi de me apaixonar por um sorriso que chega até mim, pelo abraço que me aperta quando eu preciso – mesmo que eu não saiba disso -, pela coragem de admitir um erro, uma opinião, um sentimento honesto qualquer.

e vieram os últimos dias… quando eu percebi que não só desaprenderam a amar como também esqueceram o que é o amor. quando o amor se tornou uno e restrito (a restrição do amor me dói). quando foi que o amor se tornou uma coisa tão rara que adquiriu valor de preciosidade? quando o amor passou a ser privilégio de uma única pessoa, não podendo ser dado a uma pessoa bonita, a um dia feliz, ao som dos passarinhos na janela,  a um macaco que vê a luz do sol pela primeira vez em anos? eu não acho que o amor seja uma jóia ou algo a ser preservado. acho que ele é auto suficiente e inesgotável mas tá minguando dentro da gente, porque a gente não tá mais usando ele. porque a gente não pode mais usar ele. amor virou sinônimo de fraqueza, e eu simplesmente não entendo onde diabos eu estava quando isso aconteceu. chegou esse tempo em que se luta contra a banalização do amor, como se ele tivesse que ser guardado pra alguém especial, desprezando todas as coisas especiais e todas as pessoas com alguma coisa especial que tão por aí também, às vezes sem nem saber o que é que elas têm guardado tanto. a gente tem guardado amor por tanto tempo e tão escondido que já nem sabe mais como é e onde fica. como é que esperamos reconhecê-lo e tê-lo reconhecido em nós um dia?

foi quando eu me peguei pensando no que eu escolheria caso ganhasse a oportunidade de proferir uma única frase e ela fosse sussurrada no ouvido dos sete bilhões de pessoas ao redor do globo enquanto dormem, mas tão profundamente que as fizesse pensar nisso pelo resto do dia. meu primeiro impulso foi de escolher uma coisa tão simples que pudesse ter vários significados e fosse facilmente digerida, tipo “que merda é essa?”. mas acho que tá mais fácil achar filhote de pombo do que responder essa pergunta. e então todas as pastas dos meus arquivos mentais foram sendo abertas e consultadas, uma a uma até que eu chegasse naquele ponto de indecisão que a gente desiste e deixa pra lá. e aí aquela pintura no muro sussurrou no meu ouvido enquanto eu dormia, mas tão profundamente que me fez pensar nela pelo resto do dia: mais amor por favor.

então

existem ao menos três tipos de homens que toda mulher possui ao longo da vida. o primeiro namorado, o amor-eterno-amor-verdadeiro, e o fogo no cu.

o primeiro namorado arruina sua vida. perceba, esse “primeiro” é meramente ilustrativo, uma vez que ele não necessariamente é o primeiro cronologicamente, mas é sempre o primeiro que despedaça seu coração em mais pedaços do que seu melhor professor de biologia seria capaz de contar. e ele não precisa nem ao menos ser seu namorado, veja só. o primeiro namorado SEMPRE arruina sua vida, te faz ouvir roxette no último volume abraçada ao travesseiro e chorando. e ele tem que ser o homem mais sedutor ever, mesmo que você saiba que no fundo no fundo ele parece mais a placenta do filhote de capiroto. é por ele que você cria um blog pra falar de como dói seu coração. foi por causa dele que você escreveu músicas e virou sucesso internacional. é nele que você pensa quando assiste qualquer comédia romântica onde um suposto cafajeste vira um homem fiel. depois dele você conheceu shakespeare, drummond, e já perdeu as contas de quantas vezes se imaginou cantando “olhos nos olhos” do chico olhando pra ele. e oitenta anos depois, é por causa dele que suas pernas bambeiam durante um reencontro. enquanto isso ele tá completando o álbum dele e mal consegue lembrar a cor do seus cabelos. depois do primeiro namorado é quando você vira mulher, esperta, ligada. é quando você pensa que “oi, a porra da buceta é minha”, quando decide que passou da hora de jogar seus contos de fada fora, que o mundo é diferente, que amor é amor, romance é romance, traição é traição e um lance é um lance. mas isso só depois que você já aprendeu a beber vinho, cachaça, cerveja, já achou que bartô galeano fez uma música que é a sua cara e já se rasgou maquiada num sábado à noite, depois de não conseguir se divertir por 5 minutos numa festa pensando no mancebo.

e o amor-eterno-amor-verdadeiro. ah, o amor… todas as mais lindas canções de amor foram feitas pensando naqueles olhos, naquele sorriso. tudo é primavera quando ele tá por perto, seu coração enche de glitter quando ele passa. é aquele amorzinho platônico, você volta a ter 13 anos, a esconder o rosto quando sorri pra ele, desenha coraçõeszinhos no boxe do banheiro com suas iniciais dentro, se arruma bonitinha mesmo quando tem certeza absoluta que não o verá. o amor-eterno-amor-verdadeiro pode ser fã de capital inicial que você vai gostar, pode ter o pinto mínimo e não mandar bem no oral que você vai gostar, pode demorar 2h pra gozar e você vai gostar, pode escrever “agente” que você vai esconder dos seus amigos – uma dica: se o cara tem o pinto pequeno, a gente até evita comentar porque ele não tem culpa. mas escreveu errado é caixão. normalmente os suspiros nunca se acabam pelo amor-eterno-amor- verdadeiro, nem os seus, nem os da sua mãe, que se o conhecesse certamente iria adorar tê-lo como genro.

aí vem o fogo no cu. é com fogo no cu que você se cura dos anteriores, então eu sugiro que você o conheça por último. o fogo no cu não pode ser seu amigo, não pode ser nem amigo do seu amigo, ele tem que ser um total e completo desconhecido (é melhor que seja, ao menos). o fogo no cu não tem passado, não tem futuro e não tem presente, tem apenas a pegada mais incrivelmente perturbadora que a sua mente é capaz de processar. um jeito de falar, de olhar, de segurar… que seu vestido quase levanta sozinho quando sente a presença. você tá curtindo a festa e chega o fogo no cu? run to the hills, porque se ele chegar perto sua pele vai querer desgrudar de você e a única forma de não perdê-la é  com ele segurando muito forte as suas coxas.

a combinação explosiva é se um único exemplar reunir dois desses tipos. aí pode tirar a semana de folga, colocar as pantufas, preparar o delivery da pizza e o pacote de m&m porque as noites vão ser longas…

quando o sol perder a luz

era uma vez o sorriso mais lindo do mundo. o sorriso mais lindo do mundo estava sempre muito bem acompanhado: um par de braços que faria você dispensar um valentino longo vermelho; o dorso perfeito – se julio verne o tivesse conhecido perceberia que oitenta dias são insuficientes, uma vez que seus dedos passariam a eternidade passeando apenas naqueles centímetros, que dirá o mundo; os olhos não se podia ver a olho nu quando totalmente abertos; e o cheiro que estava sempre por perto do sorriso… ah, os cheiros.. o sorriso mais lindo do mundo caminhava num ritmo que era só dele, e se a cada passo fosse ouvido um acorde, ao final de uma jornada teríamos um bolero. o sorriso mais lindo do mundo era leve, era ingênuo, era sincero, era feito de tudo o que você sempre quis da vida. desde que o sorriso mais lindo do mundo se abriu pela primeira vez diz-se até que enquanto ele durar as calotas polares continuarão a derreter. certa vez você cogitou sugerir ao louvre expor o sorriso mais lindo do mundo, mas depois decidiu que o melhor lugar pra ele estar era colado aos seus lábios.

um dia então o sorriso mais lindo do mundo se fechou por uns instantes. primeiro totalmente, depois se abriu de novo com a língua entre os dentes, estalou-a no céu da boca e soltou-a: MOR-TAN-DE-LA.

fim.

intel inside

 

quando as falas transbordavam

não precisa me conhecer muito a fundo pra saber que além de manhosa, eu fui vacinada com agulha de vitrola. quando eu quase fui expulsa da escola por atrapalhar os colegas com meus assuntos intermináveis (lá pelos 7 anos), justifiquei  dizendo que “é que eu tenho muitas falas dentro de mim”. e não acho que cabe a mim determinar se estou inclusa dentro do grupo desprezível que dá bom dia a cavalo ou se vale minimamente a pena ouvir o que tenho a dizer, até porque, se eu conseguisse me classificar, em ambos os casos estaria dando palestras ao invés de escrevendo pra mim mesma e meia dúzia de leitores quase anônimos. ao que parece, nessa época, talvez muito superficialmente, eu já tinha noção de que minha capacidade de armazenamento era inferior à minha capacidade de processamento. mas a maioria das pessoas que conheci era exatamente ao contrário: guardavam até demais, mas não entendiam nada de mim. e eu falava sozinha.

lá pelos 10, 11 anos, eu comecei a escolher o que queria ouvir e são três cds que marcaram essa época: o antonio brasileiro do tom, o paratodos do chico, e o verde, anil, amarelo, cor-de-rosa e carvão, da marisa monte. eles mesmos, que cantaram querida, sobre todas as coisas e dança da solidão, respectivamente.  não deve ser por acaso que uns quinze anos depois eu até consigo controlar a tagarelice,  mas não aprendi a guardar nada aqui dentro.o que não consigo colocar pra fora eu acabo esquecendo mesmo. e se eu não mudei, continuo conhecendo o mesmo tipo de gente. e aí sigo falando sozinha, pensando sozinha, enlouquecendo sozinha, chorando sozinha, amando sozinha…

hoje tem marmelada

primeiro eu quis que meu primeiro beijo fosse naquele garoto lindo e repetente, porque eu sempre gostei do que não presta (vamos chamá-lo de fu apenas para efeito de analise). todo mundo sabia e encorajava e a gente gostava das mesmas coisas velhas que ninguém da nossa idade tinha sequer ouvido falar. minha melhor amiga marcou um encontro: eu, ele, ela e o amigo mais bonito ainda dele. quis o destino que eu e o amigo mais bonito ainda não fôssemos, mas aquele dia estava marcado para que uma história de amor começasse. fu e minha ex-melhor amiga formaram o casal mais horrível que já vi na vida pelos próximos dias.

e então eu descobri o que é paixão. paixão avassaladora, pra ser mais exata. não sei quanto tempo depois, mas o suficiente pra eu já ter desencanado dessa magia de primeiro beijo (e de melhor amiga). era impressionante como nossos pensamentos se completavam e estávamos conectados 24/7. qualquer novela mexicana perderia pro nosso romance de melhores amigos: teve música, teve poesia, teve choro soluçado e portas batidas pra 5 segundos depois abrir a porta e o abraço mais esperado da vida. hoje em dia ele é citado como “aquele que não devemos pronunciar o nome” e eu pouparei minha memória dessa longa jornada, mas garanto que o esforço pra atingir esse status foi dos maiores que eu já vi na vida.

entre os dois grandes amores que tive na vida – talvez durante também – tivemos outros artistas bacanas que merecem ser mencionados e que não aconteceram necessariamente nessa ordem:

o OtaCU: o otacu descreveu nosso primeiro encontro de um jeito que faria inveja a chico buarque. tinha alguma coisa sobre uma troca de olhares, eternidade e tudo que eu quero numa mulher. ele bebeu e declarou seu amor ao mundo. ele procurou casa, comida e roupa lavada pra me convencer. pensou em casamento enquanto eu só pensava que os dedos dele eram muito curtos para um homem com mais de 12 anos de idade. num reino nao muito distante dali, uma princesa comemorava o 4º ano de namoro com o 11-mindinhos.

o charada: segundo este personagem, eu tiro fotos sensuais e faco turismo sexual pelo brasil. e ainda diz por aí que eu sou louca.

o inacreditável: uma graca, mas tinha menos culhão que eu – e olha que eu tenho medo de cachorro, assombração e de que um terremoto parta a terra ao meio e eu fique no lado oposto ao que está minha mãe. ele tinha essa idéia bizarra de que pra alguém entrar no picadeiro deveria pedir a autorização dele, e ele sempre negava. mas aparentemente ele considerava a leoa aqui difícil demais de domar.

o kelly-key-wannabe: esse xingou muito no twitter e colocou uma foto da namorada crente – sou preconceituosa mesmo e o blog é meu vem cá me prender – pra ver se eu babava e via o que perdi mas eu acho que com uma namorada crente quem perdeu foi ele.

com esse elenco de primeira pude ser equilibrista, trapezista, contorcionista, fui cortada ao meio (e em muitos outros pedacinhos), me confundiram com mulher barbada, fui alvo de facas, cuspi fogo e aprendi a fazer mágica. mas adquiri um humor refinado, e agora me pergunto: eles estão cada vez mais repetitivos ou sou eu que estou ficando exigente?

 

para ler ouvindo: sonhos de um palhaço – antônio marcos

das coisas que a gente aprende

que ela jogou com as palavras, se divertiu enquanto pôde com cada parte do seu corpo e quando você se deu conta ela já tinha espalhado seus sentimentos pelo chão da sala. e aí veio outra. e vc jogou, se divertiu e montou e desmontou. e depois de novo, e de novo, só pra ver se elas conseguiam encontrar os pedaços depois. talvez em meio a tantas partes você se encontrasse também. é que todo mundo nasce um pouco idiota, vulnerável e propenso a descer pro play mesmo sem saber brincar direito.

– – –

que as pessoas têm essa idéia estranha de que estão sozinhas no mundo e de que vamos todos morrer mesmo. só que antes de morrer a gente faz umas escolhas, dessas que assombram pelo resto da vida e faz a gente morrer devagarzinho dentro dos outros, que é bem pior do que morrer de uma vez só dentro da gente mesmo. e se você se sente vingado quando escolhe uma dessas coisas que matam devagar, você não deixou de ser meio idiota e vulnerável, e nem percebeu que já passou da idade de ficar por aí brincando em play.

 

I suppose sometimes a man has to plunge outside history . . .*

quando se sentia  só, desejava. e sonhava. desejava que ele tivesse bom gosto musical, mas que soubesse cantar alguns clássicos da música sertaneja e se divertisse quando tocasse algo cheio de glitter e perucas vindo dos anos 80. e sonhava que tirariam uma foto intitulada “o meu sangue ferve por você”. desejava que ele não bebesse nem fumasse, mas não se opusesse a ir numa festa open bar. e sonhava que enfim teria uma companhia quando os amigos ficassem loucos de vodka. desejava que ele gostasse de sair pra dançar e não fosse homofóbico, mas que gostasse muito mais de ficar em casa conversando com os amigos. desejava que ele quisesse sexo todos os dias, mas que ficasse feliz só de ficar juntinhos no sofá assistindo um filme. e sonhava em como seus amigos iam gostar dele. desejava que ele não sonhasse com casamento, mas pensasse em dar a ela a cópia das chaves de casa um dia, sonhando com o dia em que todas aquelas meninas entenderiam de uma vez por todas que ele enfim encontrou um grande amor. e não era nenhuma delas. desejava muito, muito mesmo, que ele entendesse a dinâmica da sua família e se envolvesse com ela. não tanto que se estressasse com os problemas, nem tão pouco que não chorasse a morte de uma tia. desejava que ele entendesse que em alguns dias ela precisava de liberdade, em outros ela queria atenção pros seus dramas e em outros precisasse só de um elogio. mas que na maioria das vezes, ela precisava mesmo é da segurança que só o amor dele daria a ela. e sonhava.

desejou tanto que fossem parecidos, que se tolerassem, pra que a vida fosse mais fácil. porque era muito difícil conviver consigo mesma.

* The Invisible man (1933)